14.11.09

O meu casaco amarelo da minha avó

Eu tenho um casaco amarelo que cheira à minha avó. 
Cheira a torradas de pão alentejano com leite quente em copo de vidro. 
Cheira a programas antigos, chocolates e à manta vermelha que ela sempre punha sobre o sofá, ou sobre as nossas pernas. Cheira a tília, ao armário da minha mãe e à antiga carpete cor de rosa. 
Cheira às brincas em círculo no chão, a folhas brancas perfuradas, lápis aguarela e a "cadeiras derrangadas". 
Cheira a bolinhas fresquinhas e bifinhos de perú e ao ligeiro odor a tabaco escapado pela fresta da porta do quarto que tinha sempre a porta fechada.
O meu casaco amarelo cheira ao velho 
que me ia buscar se não acabasse de comer 
e aos pontos de luz que a janela à noite deixava escapar e que me metia medo.
O meu casaco amarelo cheira ao seu cozido à portuguesa e a água quente com açúcar.
Cheira aos avisos constantes sobre o cuidado na passadeira e ao bater de dentes compassado com que assiste às notícias. Cheira a vinte euros para um gelado.

Cheira a pêra, amoras, açúcar e canela.

Cheira a ontem e a amanhã.
A setenta e três anos mais os setenta e três que ainda não o são.
Cheira às suas mãos. 
Ao corpo dela, ao meu e a uma gerbera amarela.

4 comentários:

Anónimo disse...

tão bonito
ar

Anónimo disse...

E como cheira bem o teu blog!

IN disse...

...e cheira-me a encontrar-te umas horas antes na H&M

Catarina disse...

não somos nada previsíveis...